Intervenção de Francisco Lopes, Candidato à Presidência da República, Almada, Declaração sobre o Centenário da Revolução Republicana de 1910
Revolução Republicana: «As portas do futuro podem sempre ser abertas»
Segunda 4 de Outubro de 2010Artigos Relacionados
Numa declaração sobre o centenário da República, Francisco Lopes afirmou que após mais de trinta anos de política de sucessivos governos contrária aos valores de Abril e à Constituição, coloca-se a necessidade de promover a ruptura com este rumo e assegurar um caminho de desenvolvimento, democracia, soberania nacional, justiça e progresso social.
Passam hoje 100 anos sobre o dia 4 de Outubro de 1910, quando neste local foi içado o estandarte republicano, substituindo a bandeira da monarquia, num dos momentos marcantes da vitória da implantação da República em Almada que, tal como em outros concelhos do distrito de Setúbal e da cintura de Lisboa, como o Barreiro, a Moita, o Montijo e Loures, precedeu a sua consagração a 5 de Outubro, em Lisboa.
Nesse dia de manhã, segundo o relato registado, a partir de Cacilhas, onde a população se começara a juntar, dirigentes republicanos, com um papel decisivo de dirigentes do movimento operário, partem de fábrica em fábrica, pela Margueira, Mutela, Caramujo, Romeira, Cova da Piedade, ganhando o apoio dos operários que engrossam os manifestantes. Juntando muitos milhares de participantes e incorporando bandas filarmónicas, dirigem-se à Câmara Municipal, à Administração do Concelho e ao Castelo, em cujos mastros as bandeiras da monarquia são substituídas pelas bandeiras dos centros republicanos, culminando com os discursos proferidos na escadaria da Câmara Municipal de Almada.
Os acontecimentos daquele dia 4 de Outubro de 1910 em Almada, revelam a dimensão do isolamento da monarquia, o apoio popular à República e o papel importante do movimento operário no êxito da Revolução Republicana de 1910.
Promovendo hoje esta iniciativa, destacamos o papel dos operários, dos trabalhadores, da população de Almada ao longo do último século e de todos aqueles que, por todo o País, foram e são obreiros do progresso social.
A vitória da Revolução Republicana de 1910, com um papel decisivo do movimento operário e popular, pôs fim a um regime decadente e teve associado um forte sentimento de independência nacional e de democracia. Promoveu significativas mudanças no plano das liberdades e direitos fundamentais, da educação e da cultura, combateu a ignorância e o obscurantismo, implementou reformas positivas em relação à família e aos direitos das mulheres (ainda que sem abranger o direito de voto), concretizou a laicização do Estado e dotou o país de uma Constituição avançada para a época, a Constituição de 1911.
Mas, se é certo que a implantação da República propiciou um importante desenvolvimento da luta reivindicativa e do movimento operário, o poder político rapidamente se virou contra os trabalhadores, as suas organizações e interesses, defraudou as expectativas populares, contrariou necessárias transformações, deixou praticamente intactas as estruturas económicas e sociais, prosseguiu uma política colonialista e de submissão ao imperialismo, de que é exemplo a entrada de Portugal na I Guerra Mundial, que suscitou a oposição dos trabalhadores.
As concepções e apreciações laudatórias do republicanismo e da República patentes nas comemorações oficiais do centenário, não podem apagar as suas contradições e limites, de entre os quais sobressai a violenta repressão sobre o movimento operário e sindical, que reduziu o apoio popular ao regime, enfraqueceu a mobilização popular em sua defesa, tantas vezes decisiva, e reduziu a possibilidade de enfrentar com êxito a reacção monárquica e fascista.
Combatendo as linhas de ataque à República, que visam justificar o golpe militar de 1926, a instauração do fascismo, ocultar o seu carácter odioso, esconder o atraso e as injustiças a que condenou o País e branquear os seus crimes, o conteúdo democrático e progressista do 5 de Outubro é inegável e deve ser salientado e valorizado.
Na nossa história, a Revolução de Abril marca o contraste com o 5 de Outubro pela sua densidade, profundidade e repercussões. Iniciada com a acção dos militares e propulsionada pela participação decisiva dos trabalhadores e das massas populares, respondeu em pouco tempo, com profundas transformações, às necessidades e aspirações dos trabalhadores, da juventude, do povo português, às exigências de liberdade, democracia, desenvolvimento, justiça social, paz e independência nacional, compromissos que inscreveu na Constituição da República Portuguesa, aprovada pela Assembleia Constituinte em 2 de Abril de 1976. A Revolução de Abril concretizou conquistas, afirmou valores e configurou um projecto que, apesar de profundamente golpeado nas últimas décadas, é base e inspiração incontornável para a resposta aos graves problemas que Portugal enfrenta.
O centenário da Revolução Republicana de 1910 ocorre numa situação particularmente grave.
Arrastado por mais de três décadas de política de direita, o País desperdiçou oportunidades abertas com a Revolução de Abril e as profundas transformações sócio-económicas alcançadas, desbaratou recursos e energias num processo de alienação crescente da soberania e independência nacionais, avolumou injustiças e desigualdades.
O rumo do País é de declínio e injustiça social, não porque é inevitável, mas porque sucessivos governos e outros responsáveis políticos tomaram essa opção. Assim tem sido ao longo das últimas décadas, assim é com as medidas anunciadas a semana passada que, somadas às adoptadas nos últimos meses, constituem o mais brutal ataque aos trabalhadores, aos reformados e pensionistas e ao povo português, desencadeado desde o regime fascista. Medidas e opções que são a insistência agravada nas opções que, tendo-nos conduzido à situação actual, só podem ter como resultado o seu agravamento.
O corte nos salários e remunerações agravam as condições de vida, acentuam a exploração e empurram a economia para a recessão.
O aumento do IVA com o aumento generalizado dos preços, o congelamento das pensões, o corte nos apoios sociais, provoca a degradação acelerada das condições de vida.
A redução das comparticipações nos medicamentos, e o aumento do custo para os utentes nos meios complementares de diagnóstico, análises, exames médicos, na prática vão impedir centenas de milhar de portugueses de um verdadeiro acesso à saúde.
As privatizações enriquecem o poder de alguns e criam novos problemas económicos e sociais. Os despedimentos acentuam a enorme carência de profissionais, e os serviços públicos serão mais caros e podem entrar em desagregação.
O ataque à segurança social intensifica-se, como se vê, com a transferência do fundo de pensões da PT.
O novo corte no investimento – associado à retracção do mercado interno por via da quebra nas remunerações – significa recessão económica, mais desemprego, menos criação de riqueza, mais dependência e maiores défices.
São medidas que comprometem ainda mais a economia e o futuro do País, agravam a situação dos trabalhadores e do povo, para exclusivo favorecimento do grande capital. Não são um programa de austeridade, são um pacote brutal de injustiça social e afundamento do País.
Neste centenário da República, neste Outubro de 2010, olhando a história e a dimensão dos actuais problemas, colocam-se questões sobre os fundamentos da República, nos planos da democracia, da soberania e da independência nacional, determinantes para o futuro.
A Constituição da República é a matriz e os seus três primeiros artigos são claros.
No Artigo 1º, sobre a (República Portuguesa) diz:
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
No Artigo 2º sobre o (Estado de direito democrático) diz:
A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação de direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
No Artigo 3º sobre (Soberania e legalidade) diz no Nº 1:
A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.
Esta é a matriz de Portugal, da República Portuguesa na configuração que lhe deu a Revolução de Abril, cuja necessidade e actualidade é por demais evidente e contrasta com o rumo das últimas décadas que conduziram o País à grave situação em que se encontra.
Para os grupos económicos, os seus representantes políticos, há uma outra constituição, construída na base da impune configuração do texto constitucional e dos seus artigos aos seus interesses de classe, num processo que tem contado com a implícita legitimação por parte de quem tem o dever de cumprir e fazer cumprir a Constituição da República.
Para eles, Portugal é o nome dum território onde vive uma população que a tudo pode ser sujeita em nome da exploração e da especulação.
Para eles, a soberania una e indivisível reside nos mercados e deve prosseguir os seus interesses, visando a exploração do trabalho, a especulação, o saque sobre o erário público e o património nacional, a degradação das condições de vida.
Para eles, o povo português pode votar desde que não ponha em causa os princípios e interesses da apropriação privada do trabalho e do lucro dos grupos económicos e financeiros, inerentes ao capitalismo.
Para eles, o pluralismo de expressão e organização política deve ser entendido enquanto oportunidade de mostrar a sua existência e desde que não assuma a dimensão que ponha em causa o pensamento e a opinião favorável ao capital.
Para eles, o Governo deve servir os mercados, agradar aos mercados e em todas as circunstâncias pôr os interesses destes acima dos interesses do povo e do País.
Assim tem sido nas últimas três décadas, mas agora, num testemunho bem revelador do estado a que o País chegou, são os próprios governantes que o confessam: ouvimo-los dizer que governam em primeiro lugar para os mercados e para conquistarem a sua confiança, para os mercados que são o capital, a especulação e a espoliação organizada.
O actual Presidente da República segue também esta “constituição” não escrita, que não jurou, mas que aplica com diligência. O Presidente da República, segundo a Constituição, é garante da independência nacional. Mas, o actual Presidente, pelas suas orientações e prática, assume-se de facto como garante da política de direita, da subserviência do País e do seu declínio, da abdicação dos interesses nacionais perante as exigências do estrangeiro. Garante da continuação do sistema de acumulação dos lucros dos bancos e grupos económicos e multinacionais, da delapidação do património público, da liquidação das PMEs. Garante do desemprego, da precariedade, dos baixos salários e pensões, das dificuldades da vida dos mais idosos, do comprometimento dos direitos das novas gerações, da degradação das condições de vida do povo e do empobrecimento do País.
Assim tem sido, mas assim não pode continuar a ser.
A situação actual e o futuro de Portugal, exigem a aplicação plena dos preceitos constitucionais, fundamentos essenciais da pátria portuguesa, da soberania do povo. Para romper com a injustiça social, a subserviência e o declínio nacional e abrir as portas do futuro, é preciso concretizar esses fundamentos constitucionais.
Quando uns propõem a subversão do texto constitucional e outros, aparentando opor-se-lhes, realizam uma política que o desrespeita todos os dias, uma realidade sobressai: o problema não está na Constituição, mas sim nos projectos e práticas políticas que a põem em causa.
O impulso de liberdade, democracia e independência que esteve associado ao advento da República e a que Revolução de Abril deu expressão singular, dá um significado particular à expressão do Hino Nacional “Levantai hoje de novo o esplendor de Portugal”.
O esplendor correspondente à época em que vivemos, não o da nostalgia, mas sim o da luta, da confiança, da esperança combativa, para os dias de hoje e os avanços que impõe. O esplendor duma democracia política, económica, social e cultural. O esplendor do desenvolvimento na indústria, na agricultura, na floresta, nas pescas, nos recursos do mar, do pleno emprego, do aproveitamento das riquezas e potencialidades nacionais. O esplendor dos direitos e condições de vida dos trabalhadores, dos direitos das novas gerações, das mulheres, dos reformados pensionistas e idosos, de todos os cidadãos. O esplendor dos direitos democráticos, do Poder local, da regionalização, das autonomias regionais, duma administração pública ao serviço do País. O esplendor de serviços públicos acessíveis, do efectivo direito à saúde, à educação, à cultura, à segurança social, à habitação. O esplendor da protecção e do equilíbrio ecológico. O esplendor da soberania popular, da independência nacional, duma política de paz, cooperação e amizade com os outros povos.
Neste centenário da República, enquanto candidato que preconiza ruptura e mudança e defende um projecto político patriótico e de esquerda, sublinho o compromisso que assumo de honrar a República, a soberania do povo, a independência nacional, garantia sem a qual não tem consequências o juramento de “defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”.
Evocamos o centenário da República, valorizamos a Revolução Republicana de 1910, salientamos esse acontecimento maior da História de Portugal que é a Revolução de Abril de 1974, centrados na actualidade e nos desafios do futuro de Portugal.
Hoje, no início da segunda década do século XXI, após mais de trinta anos de política de sucessivos governos contrária aos valores de Abril e à Constituição, que empurrou o País para o declínio, as injustiças e desigualdades sociais, o empobrecimento do regime democrático e a amputação da soberania nacional, coloca-se a necessidade de promover a ruptura com o rumo que está a afundar o País e assegurar um caminho de desenvolvimento, democracia, soberania nacional, justiça e progresso social.
O 5 de Outubro e a Revolução de Abril de 1974 mostram que as portas do futuro podem sempre ser abertas, quando o povo quer e quando o povo quiser!
Tenho confiança de que é possível e está nas mãos do povo português abrir essas portas, concretizar a vontade e as aspirações populares e responder às necessidades nacionais.
Viva a República!
Viva Abril!
Viva Portugal!